Como lidar com a crise do meio da vida?

“Como preencher esse vazio? Surge uma urgência: é agora ou nunca!

Reagir significa mudar.. mas, crescer dói. Quão preparados estamos para a dor? Quais são as melhores decisões a serem tomadas?”

Muitas vezes, perguntas como essa dão início a uma nova fase no caminho da vida. Para nos mantermos vivos e animados, precisamos sair das águas paradas – a famosa zona de conforto.

Atravessar a crise do meio da vida exige limpar emoções, separar e renovar valores, organizar pensamentos e construir a energia dentro de si, reacendendo paixões e forças da alma.

Como atingir o equilíbrio?

Um dos grandes desafios na crise da meia-idade é justamente integrar as partes perdidas de si próprio, sem queimar os pedaços da antiga vida que mereçam ser mantidos.

Entender o limite entre crescimento e segurança, de fato, não é simples. Toda ação gera consequências e, quando se deseja mudar de vida, é preciso estar muito confortável com o ônus de certas escolhas.

Nesse sentido, há alguns pontos de vista que merecem ser considerados.

Teoria de Erik Erikson

Erik Erikson foi um dos pioneiros no que diz respeito ao estudo do desenvolvimento humano, criador da expressão “crise de identidade”. 

Sua bibliografia prevê que a tarefa da vida adulta é desenvolver a generatividade, ou seja, habilidade de contribuir para o bem estar das gerações, sem esperar nada em troca.

Ainda, preconiza que os adultos devem resistir à tendência de se estagnar e voltar para si, passando a doar-se livremente para o bem da sociedade ao mesmo tempo que se equilibram com atenção às necessidades e cuidados consigo mesmo.

Interpretação de Odisseia, por Murray Stein

A parábola de Homero foi interpretada por Murray Stein a fim de explicar a dinâmica do caos da meia idade, sob o ponto de vista junguiano.

Odisseu precisa voltar para sua terra, Ítaca, após lutar na Guerra de Tróia. Porém, precisa passar pela ilha de Circe, uma deusa do amor físico que encanta, enfeitiça os homens e os transforma em porcos, feras que possuem mente de homem mas o corpo físico do animal.

A Arqueóloga Reprimida

Vamos traçar um paralelo com uma mulher que sonha em ser arqueóloga, mas engravida jovem e escolhe cuidar do lar e dos filhos, preterindo os próprios anseios.

Essa mulher chega aos 50 anos e se depara com o ninho vazio, anulação da autoestima e  desgaste do relacionamento, trocando o sonho de explorar a antiguidade por uma rotina doméstica de 30 anos que não lhe preenche mais.

Ela pode fugir para o Egito e abandonar tanto a família quanto a estabilidade conquistada ou continuar na mesma rotina dos últimos 30 anos.

No mito, Circe é a parte reprimida, tão forte que é capaz de escravizar. O porco é o humano em sua pior forma, escravo dos seus impulsos mais egoístas.

Enfrentando Circe

Odisseu não quer acabar como porco, tal como os demais, mas não pode abandonar seus homens. Ele precisa de um meio-termo: libertá-los sem tornar-se uma presa de Circe.

Na perspectiva junguiana, ele precisa descobrir uma nova forma de se relacionar com a sua parte inconsciente (lembrando que Circe representa o anseio arqueológico da mulher comparada).

No mito, Odisseu encontra um sábio, Hermes, que o instrui a dominar Circe, empunhar sua espada, controlá-la, relacionar-se com ela e libertar os homens da armadilha.

A Sabedoria

Hermes representa o apoio psicológico, a orientação que muitos precisam receber externamente quando estão envolvidos demais na situação para ter um novo olhar, uma nova perspectiva sobre determinada cenário.

Assim como Odisseu encontra uma nova forma de se relacionar com o desafio, a arqueóloga reprimida precisa encontrar um meio de satisfazer seus desejos sem sacrificar de forma destrutiva os demais aspectos da sua vida (a famosa auto-satisfação impulsiva, como gastos exagerados e aventuras inconsequentes). 

A sabedoria, muitas vezes, reside em encontrar um meio-termo. Não rejeitar os próprios desejos, mas tão pouco tornar-se escravo deles.

Neuroplasticidade do Cérebro

Segundo descobertas na neurociência cognitiva, existem evidências de que o crescimento e desenvolvimento podem ocorrer na meia idade.

O cérebro reage ao exercício mental da mesma forma que o músculo reage ao exercício físico.

Logo, não existe limite para desenvolvimento de novos habilidades, assim como a crise da meia idade é tecnicamente capaz de produzir um cérebro mais equilibrado e desenvolvido.

A natureza humana é preparada para lutar pela completude. É possível  aceitar a mudança e seguir em frente ou negar e reprimir o caos da meia idade – e seguir adiante da mesma forma, porém tomado por dores emocionais e negando as melhores oportunidades a si mesmo. 

Qual é a melhor decisão? Essa é uma escolha que só cabe a cada um.

Celi Helena

Graduada em Psicologia, Especialista em Psicoterapia Junguiana, Psicossomática e Psicogerontologia. Atua na área clínica com psicoterapia, técnicas corporais de relaxamento, orientação vocacional e de carreira, programas pré e pós-aposentadoria. Participa de palestras/workshops sobre envelhecimento e preparo para a aposentadoria. CRP: 06/104040.
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